O estigma e o preconceito relacionados ao vírus, que tornaram o assunto um grande tabu na sociedade, fizeram com que Lucian passasse oito anos em negação e com vergonha do diagnóstico. Ele iniciou o tratamento em 2014 e, há 8 anos, vive com o vírus e com a carga viral indetectável.
Hoje, Lucian faz parte dos 94% das pessoas diagnosticadas com HIV no Brasil que estão indetectáveis, ou seja, pessoas que, por meio do tratamento, chegaram a uma carga baixíssima do vírus. Assim, evitam o estágio de Aids e a transmissão do HIV via relações sexuais.Desde 2017, quando decidiu tornar pública a sua sorologia de HIV, Lucian buscou levar informações e acolhimento a pessoas que descobriram o seu status sorológico recentemente. Através de vídeos bem humorados e informativos em redes sociais como o TikTok, Lucian esclarece as muitas dúvidas e desinformações que permeiam as discussões sobre HIV, reforça a necessidade da prevenção e do tratamento, o fato de que quem está com a carga viral indetectável não transmite, e, principalmente amplia a voz de quem, antes, enfrentava o diagnóstico sozinho e sem qualidade de vida.
Trajetória
Lucian Ambrós morou em Santa Maria, no bairro Camobi, até os 18 anos, momento em se mudou para Porto Alegre. Até então, tudo que ele – assim como grande parte da população – sabia sobre o HIV, era estigmatizado, relacionando o vírus à promiscuidade, uso de drogas e exclusivamente a gays ou pessoas trans e travestis. Em 15 de fevereiro de 2010, veio a surpresa: Lucian recebeu o diagnóstico de que vivia com o vírus.
– Entrei em desespero, pois, para mim, era algo errado, feio. Sabia que seria excluído. Escondi isso durante oito anos, o que me levou, inclusive, a rejeitar a busca por tratamento, até mesmo por dúvidas sobre o funcionamento e eficácia – conta.
Lucian seguiu sem compartilhar com ninguém o diagnóstico. Quando mudou-se para Balneário Camboriú, ele começou a participar de concursos de empreendedorismo. Lucian sempre quis levar um projeto sobre HIV para os eventos, mas tinha medo que as pessoas descobrissem que ele vivia com o vírus, então mascarava o fato nos projetos. A coragem, finalmente, chegou em 2017, no Desafio Universitário Empreendedor, do Sebrae, com o projeto PositHIVidades.
– Na oportunidade, eu fiz uma enquete perguntando se as pessoas gostariam que meu projeto fosse sobre câncer ou HIV. Foi o meio que encontrei para tentar introduzir o tema sem me revelar. De 40 projetos, 10 foram selecionados para serem desenvolvidos e o meu estava entre eles – conta Lucian.
PositHIVidades ganhou o primeiro lugar na etapa estadual e ficou entre os 10 melhores projetos do Brasil no Desafio Universitário Empreender. Em abril de 2017, no concurso nacional, Lucian Ambrós falou pela primeira vez sobre sua sorologia, no dia da grande final. Foi o momento onde também ocorreu o primeiro acolhimento. Uma pessoa que estava no concurso havia acabado de descobrir e Lucian deu suporte a ela. Ele conta que essa pessoa segue nos grupos de acolhimento até hoje.
Indetectável=Intransmissível
Recentes estudos nacionais e internacionais, como os do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) concluíram, baseados em evidência, que o risco de transmissão do HIV por uma pessoa que esteja em Terapia Antirretroviral (TARV) e com a carga viral indetectável, é inexistente. Isso significa que uma pessoa vivendo com HIV e com carga viral indetectável por mais de seis meses, deixa de transmitir o vírus. Então se fala que I = I, ou seja, Indetectável = Instransmissível.Segundo o Boletim Epidemiológico de HIV/Aids 2022, do Ministério da Saúde, divulgado recentemente, só no Brasil, de 1980 a 2021, ocorreram 371.744 óbitos em decorrência da Aids. Isso significa que essas milhares de pessoas atravessadas pela infecção não alcançaram a indetectabilidade e ficaram doentes. Além de impedir a transmissão do vírus, ser indetectável contribui grandiosamente na saúde orgânica das pessoas que vivem comHIV.
Em julho daquele ano, Lucian lançou o aplicativo proposto no projeto. Era uma rede social voltada para HIV que ficou seis meses no ar, com mais de 10 mil usuários em 60 países, mas por falta de recursos, o projeto saiu do ar. Porém, a comunidade permaneceu: as redes sociais continuaram sendo o elo entre pessoas vivendo com HIV e a comunicação de questões relacionadas ao vírus.
– Nestes últimos cinco anos, já conseguimos auxiliar mais de 50 mil pessoas na melhoria de sua adesão ao tratamento de HIV, através de grupos de acolhimentos e por meio das redes sociais do projeto – conta o administrador de empresas.
Lucian relembra também que, na época do lançamento do aplicativo, as pessoas que ainda não sabiam de sua sorologia questionavam: “você fala tanto sobre HIV, mas nem vive com HIV”. Seguiram-se anos em que ele ainda tinha vergonha de revelar, principalmente por conta de oportunidades de trabalho.
Em 2019, ele lançou a loja virtual do Projeto PositHIVidades, com uma linha de camisetas Indetectável. Foi a primeira loja virtual voltada para HIV no país. Seguiu-se o lançamento de mais produtos voltados para a temática, até o livro “Guia quase completo como viver com HIV”, em dezembro de 2021.
– Fui a primeira pessoa no Brasil a fazer vídeos sobre HIV. No início, recebi muitas críticas de que estava ridicularizando quem vive com a sorologia e a verdade é que hoje muitas pessoas fazem o que eu faço. Acabei abrindo portas pra muita gente fazer esse tipo de trabalho.
Hoje, PositHIVidades é a maior rede de conteúdos sobre HIV do Brasil, acumulando mais de 200 mil seguidores distribuídos nas redes sociais.
– Desde que comecei a falar sobre indetectável, recebi muitas críticas. Pessoas diziam que não se viam dentro dos meus conteúdos. No CRT aqui de São Paulo, no início, as pessoas não gostavam do meu conteúdo.PROJETOS
Ainda em 2021, Lucian criou encontros on-line de pessoas que vivem com HIV. Eles acontecem uma vez por mês e já receberam mais de 700 pessoas, com participantes de todos os lugares de mundo.
Em dezembro de 2022, Lucian produziu a campanha digital “Menos Preconceito. Mais Respeito”, no Centro de Referência e Treinamento IST/Aids Santa Cruz em São Paulo, visando apresentar experiências de pessoas vivendo com HIV, desde a descoberta até a quebra dos tabus. A campanha, com nove vídeos, apresenta mulheres cis e travestis, homens cis e não binarios, heteros e homossexuais, de diversas etnias e vivências, enfim, seres humanos que acabaram se infectando pelo HIV por diversos tipos e maneiras.Segundo Lucian, a diversidade de personagens visou enfatizar a necessidade da sociedade ter menos preconceito e mais respeito em relação às pessoas que vivem com o vírus. e motivar as pessoas a testarem mais cedo.
Amor inteligente e seguro
Arquivo Pessoal
Há seis meses, Lucian mantém um relacionamento com o consultor Pedro Cartezani, 38 anos, que também é farmacêutico. Apesar da formação na área da saúde, Pedro relata que se sentiu, sim, inseguro no início, ao saber da sorologia de Lucian.
– Quando nos conhecemos, por meio de um aplicativo de namoro, ele me contou brevemente e percebeu minhas inseguranças. Eu tenho um histórico familiar de um tio falecido e isso era uma questão para mim. Havia muito medo, receio e insegurança, puramente por falta de conhecimento dele.
Nos encontros seguintes, Pedro foi entendendo melhor, leu o livro “Guia quase completo como viver com HIV” e venceu o que parecia ser um obstáculo. Pedro Cartezani celebra o trabalho do namorado em ajudar outros pessoas com a sorologia:
– Isso é um ponto na vida dele e apenas isso. O amor é maior. Quando o conheci, também não sabia do trabalho dele. E é um trabalho muito bonito. A dedicação e a paciência dele. Ele usa o conhecimento e experiência para ajudar o próximo. Ele me ajuda e eu procuro ajudar também. É uma pessoa fantástica.
Festa do Indetectável
Neste mês, Lucian Ambrós, por meio do projeto PositHIVidades, lançou a Festa do Indectável, em São Paulo. Música, shows de artistas drags que vivem com HIV, testagem de HIV, acolhimento e respeito sem discriminações ou apontamentos estiveram no line-up. A festa foi realizado na Blue Space, no dia 9 de dezembro, a partir das 23h. Conforme Lucian, a Festa do Indetectável foi um marco para o Brasil, já que se tratou da primeira que teve como tema o HIV e foi aberta ao público em geral.
– O objetivo foi falar sobre essa questão de HIV de formas diferentes. Por exemplo, assim como nas redes sociais, eu não falo diretamente sobre doença, eu falo muito da questão do indetectável. Também foi especial porque foi gratuito, não teve dinheiro público, levamos a pauta do HIV e do Indetectável=Intransmissível ao grande público – relata.
Profissionais especializados levantam a questão do HIV e a Indetectabilidade como algo que deve sim, ser celebrado. Para eles, a indetectabilidade não é importante apenas como uma experiência individual de quem descobriu a infecção, mas também é significativa na desaceleração da epidemia de HIV/Aids, ou seja, registros de novas infecções.
Lucian comemorou a experiência da festa, os resultados e como tudo isso reverberou na imprensa e nas redes sociais.– Falar sobre o tema é trazer o olhar para a nossa realidade, é apresentar à sociedade que há vida e que é preciso respeito e consideração. O caminho é longo, mas cada passo é muito proveitoso – destaca.
Em Santa Maria
Foto: Nathália Schneider (Diário)
Durante o Dezembro Vermelho, mês de conscientização sobre o HIV, os dados sobre o cenário do vírus em Santa Maria foram atualizados e divulgados. De acordo com a Coordenação da Política de HIV/Aids, Sífilis e Hepatites Virais, 2.761 pessoas vivem com o vírus em Santa Maria. Deste quantitativo, 2.462 pessoas estão em tratamento e, aproximadamente, 2,1 mil está com carga viral indetectável (quantidade irrelevante de vírus no sangue), o que permite constatar que 85% do grupo em tratamento não transmite o HIV sexualmente.
O levantamento também demonstra uma redução no quantitativo de pessoas que abandonaram o tratamento no último ano. De 800, o número baixou para 299 usuários. Segundo a coordenadora desta política em Santa Maria, Márcia Rodrigues (que, inclusive, fala sobre o trabalho de Lucian Ambrós ao lado), entre os fatores que contribuíram para a mudança no cenário, estão: acesso ao tratamento, acesso às profilaxias, busca ativa, diagnóstico precoce e posição no ranking nacional.
Profilaxia
A Prevenção Combinada, representada pela mandala explicativa, associa – ao mesmo tempo ou em sequência – diferentes métodos de prevenção ao HIV, às IST e às hepatites virais. São consideradas as características e o momento de vida de cada pessoa. Os métodos possíveis de serem combinados são: testar regularmente para o HIV, prevenir a transmissão vertical (quando o vírus contamina o bebê durante a gravidez), tratar as infecções sexualmente transmissíveis e as hepatites virais, a imunização para as hepatites A e B, programas de redução de danos para usuários de álcool e outras substâncias, profilaxia pré-exposição (PrEP), profilaxia pós-exposição (PEP) e o tratamento de pessoas, que já vivem com HIV. Todos esses métodos podem ser utilizados pela pessoa isoladamente ou combinados. Os testes para o HIV podem ser realizados, gratuitamente, via SUS. O autoteste, por exemplo, pode ser retirado na Casa Treze de Maio e feito em casa mesmo.
Casa Treze de Maio
É um Serviço de Assistência Especializada (SAE) e Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) com foco na prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), HIV e Hepatites Virais (B e C). Atende pessoas com idade a partir dos 18 anos (salvo particularidades), trabalha com a prevenção e a assistência ao usuário, com acolhimento, distribuição de insumos (preservativo, lubrificante e informativos) e quatro tipos de testagem rápida, para HIV, Sífilis, Hepatite B e Hepatite C.
SAE/CTA Casa Treze de Maio
O quê – Atendimento gratuito, o ano todo, para residentes do município de Santa Maria
Quando – De segunda a sexta-feira, das 7h30min às 11h30min e das 13h às 16h30min
Onde – Rua Riachuelo, 364, Bairro Centro
Informações – Telefone (55) 3921-1263 e e-mail casatreze364@gmail.com
Márcia Rodrigues – coordenadora de políticas HIV/AIDS
Acompanho mais de perto o trabalho do Lucian desde o início de 2021. É um trabalho incrível, com conteúdos informativos e descontraídos. Ele esteve conosco em uma roda de conversa no ano passado e trouxe sua experiência aos pacientes, e reforçou com eles a importância do conhecimento a respeito do vírus e das estratégias para manutenção do tratamento. Agora recentemente compartilhou conosco a participação dele na campanha realizada em São Pauulo. Sem dúvidas, é um santa-mariense fazendo a diferença em outros locais.
Heitor Leal – Coletivo Voe
De acordo com o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde de 2021, Santa Maria ocupa o 60º lugar no ranking nacional em casos de HIV entre as cidades com mais de 100 mil habitantes. Por isso, acreditamos que é preciso cada vez mais continuar as discussões e divulgação de informações com relação ao assunto. O medo de procurar informações, fazer a testagem e adotar métodos e comportamentos mais seguros com receio de até mesmo levantar suspeitas faz com que muitas pessoas desconheçam o seu estado sorológico. Conscientização e testagem podem ser a chave para diminuir a ocorrência de novos casos. Importante também ressaltar que a testagem possibilita a detecção e tratamento precoce da infecção. Sabemos que pessoas com HIV que seguem o tratamento podem levar uma vida normal como qualquer outro indivíduo soronegativo. As pessoas LGBT+ são as que ainda mais sofrem com os estigmas. Infelizmente os casos persistem entre a população jovem e, principalmente, LGBT+, mas é importante ressaltar que a infecção não está restrita ou diretamente ligada à nossa orientação ou identidade de gênero, mas sim à falta de informações, debates, políticas e acesso à saúde. Com o receio de fomentar o estigma de que o HIV só afeta pessoas LGBT+ muitas vezes não tocamos no assunto, mas é preciso fazer o contrário. Falar mais, testar mais, cuidar-se mais.
Márcio Flores – ONG Igualdade
É importante e oportuno discutirmos sobre o tema HIV/AIDS. Infelizmente, ainda hoje, na contemporaneidade, a população em geral é afetada, não se restringindo somente a comunidade LGBT+, já que esta doença atinge a todos os indivíduos nas mais diferentes camadas sociais. O tratamento é de extrema importância, assim como políticas públicas de acesso a usuários, tratamentos e medicamentos, mas também no processo de conscientização e prevenção. Desta forma. embora tenhamos campanhas educativas e informativas sobre o tema e sua prevenção, observamos que a grande maioria da comunidade em geral, assim como a população LGBT+ negligencia o uso da camisinha e dos métodos de prevenção. Esse fator decorre de forma contínua e crescente, o que não ocorre nos indivíduos que viveram no ápice do surgimento do HIV/AIDS, fator este que aumentou consideravelmente na época com o preconceito, agressões e violência com a nossa comunidade LGBT+, uma vez que o vírus era considerado como o câncer gay. A ONG Igualdade procura desenvolver diversificadas atividades de prevenção e orientação sobre o tema, através de seminários, palestras, rodas de conversa e outras abordagens, procurando proporcionar às pessosas o seu pleno direito de viver livremente com suas escolhas, ações e objetivos com segurança e saúde.